14 de mar. de 2009

Fatores Históricos de Preconceito Racial



O simples fato de a raça negra ter sido escrava não é explicação suficiente para o tratamento discriminativo que lhe deteve a marcha rumo à espiral de ascensão sócio-cultural e sócio-econômica. As condições em que o negro foi escravizado é que tornaram a escravidão um estigma de difícil remoção.
O comércio escravista e a exploração do trabalho escravo eram atividades incompatíveis com uma consciência cristã. Ora, os traficantes de escravos e os escravocratas eram, na sua maioria, cristãos confessos. A concepção de cristianismo era antagônica à noção do negro como ser humano. Admitir a natureza humana do negro seria negar a formação cristã dos que queriam explorá-lo. Tem surgimento então uma das maiores chagas que o homem já abriu no seio de uma sociedade, com a conivência da Igreja, da Ciência e do Estado: a negação da natureza humana do negro, que justificou toda espécie de crueldade da parte do branco contra o negro escravo.
A estigmatização do negro pode ser de natureza religiosa, científica ou filosófica. O regime escravocrata receberá daquelas fontes o apoio necessário para se consolidar.
Já nos EUA havia um clima tenso derivado aos conflitos de consciência, que urgia neutralizar. O sul do País era um universo agrícola. Precisava desenvolver-se e o braço escravo era uma solução, uma resposta para a demanda de mão-de-obra. Então o Sul entregou-se arduamente à busca de um endosso bíblico para a escravidão do negro e a aceitação social dessa prática. Pesquisaram e encontraram subsídios para a prática escravista, no Antigo Testamento das Sagradas Escrituras: a maldição que Noé lançou sobre a descendência de Cã. Reza a tradição bíblica:
"...E (Noé) bebeu do vinho e embebedou-se; e descobriu-se no meio de sua tenda. E viu Cã, o pai de Canaã, a nudez de seu pai, e fê-lo saber a ambos os seus irmãos fora. (...) E despertou Noé do seu vinho, e soube o que o seu filho menor lhe fizera. E disse: Maldito seja Canaã, servo dos servos seja dos seus irmãos. E disse: Bendito seja o Senhor Deus de Sem; e seja-lhe Canaã por servo. Alargue Deus a Jafé, e habite nas tendas de Sem; e seja-lhe Canaã por servo (Gên. 9:21 – 27)."
Sabe-se que Canaã não tinha pele negra, nem seus descendentes, que se fixaram na terra que se tornou conhecida como Palestina. Os cananeus, com o tempo, foram realmente subjugados pelos israelitas, descendentes de Jafé. Esta subjugação cumpriu a maldição bíblica, sobre Canaã, mas nada teve a ver com a raça negra. A raça negra proveio dos outros filhos de Cã, Cus e, provavelmente, também Pute, cujos descendentes se fixaram na África. Já nos tempos modernos, John Fletcher, de Lousiana, EUA, ensinava que o pecado que motivou a maldição de Noé sobre Canaã, fora o casamento inter-racial. Canaã ter-se-ia casado com descendentes da raça maldita de caim.
Em 1902, a Casa da Bíblia, em S. Luís, Missouri, EUA, publicou um livro que foi muito difundido, The Negro, a Beast (O Negro, um Animal). Havia um capítulo intitulado Evidência Bíblica e Científica Convincente de que o Negro Não É Parte da Família Humana. A Enciclopédia Judaica dizia que os negros eram assim devido ao fato de Noé ter tido relações sexuais na arca.
O conceito católico sobre a maldição do negro ainda existia no ano de 1873, quando o Papa Pio IX solicitou uma oração em favor dos desgraçados etíopes da África Central, no sentido de que Deus removesse-lhes do coração a maldição de Cã.
A Enciclopédia Britânica, 9ª edição, 1884, diz:
Nenhum homem de puro sangue negro jamais se distinguiu como cientista, poeta ou artista; e a igualdade fundamental pretendida para ele por filantropos ignorantes é contraditada por toda a história da raça, durante todo o período histórico. ........................................................................................................................... A criança negra, via de regra, é tão inteligente quanto às outras variedades humanas; no entanto, os negros sofrem uma ossificação prematura do crânio, que impede todo o desenvolvimento posterior. ............................................................................................................................
A Enciclopédia Chamber, edição de 1882, diz que “o negro forma um elo de ligação entre a ordem mais elevada de macacos e o restante da humanidade”; e o Professor Carleton S. Coon, ex-Presidente da Associação Americana de Antropólogos Físicos afirma que a raça negra está atrasada em 200.000 anos em relação a raça branca, na escala da evolução.
Naqueles tempos, e ainda hoje, não era gratificante ouvir as opiniões que contrariavam a teoria da superioridade racial. A World Book Enciclopaedia registrava que “reinos negros, altamente desenvolvidos, já existiam em várias partes da África, há centenas de anos. Alguns dos reis negros e seus nobres viviam em grande opulência e esplendor. Suas capitais, às vezes, tornavam-se centros de cultura e comércio. Entre 100 e 1600, floresceu uma universidade em Tombuctu, na África Ocidental, e tornou-se famosa por toda a Espanha, África do Norte e Oriente Médio.”
Como vimos, o negro entrava nos países escravocratas com uma etiqueta que mais tarde tentaria arrancar, sem êxito; porquanto ela se entranhou profundamente na memória cultural das duas raças. Por isso, o branco pode esquecer que o negro um dia foi escravo, mas ainda subsistirão as conotações ligadas não à condição de escravo, mas ao mito de raça subumana, inferior.
A palavra mito é considerada apenas pelas mentalidades esclarecidas, pois nas outras mentalidades, a concepção racial tradicionalista tem raízes profundas, difíceis de erradicar totalmente. É como o câncer com suas ramificações perniciosas

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